terça-feira, novembro 5, 2024
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Crítica – ‘Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story’ by Martin Scorsese

“A vida não serve para você se encontrar, nem para ENCONTRAr nada. A vida serve para você se criar. E criar coisas.”

 

O diretor Martin Scorsese lançou nesse dia 12 em parceria com a Netflix seu novo filme. Sendo o segundo do diretor sobre a vida de Bob Dylan. Dessa vez, recria numa espécie de pseudo-documentário a mente do cantor, através de filmagens de 1975 da turnê mais estranha de sua carreira tendo sido nomeada de Rolling Thunder Revue.

Bob Dylan in Rolling Thunder Revue-Netflix

Scorsese cria uma mistura fantástica de fatos e imaginação nesse novo filme, onde contou com uma trupe eclética de artistas, tocou em locais pequenos sem muito aviso prévio, apesar da fama de grande astro de Dylan à época.

“Não foi um sucesso, não se você medir sucesso em termos de lucro. Mas foi uma aventura”, conta Dylan na película de Scorsese.

O filme é descrito como o registro da turnê em que Dylan levava o álbum Desire à cidades e lugares menores dos EUA, mas os encontros de bastidores são na verdade retirados do longa Renaldo and Clara, dirigido por Dylan em 78, e os depoimentos, em grande parte, são encenações. Quem assiste Rolling Thunder Revue como um documentário pode achar que a turnê de Bob Dylan envolveu Jimmy Carter, um encontro com Sharon Stone, e um registro por um tal de cineasta chamado Stefan Van Dorp (um cara que nunca existiu).

Joan Baez and Bob Dylan in “Rolling Thunder Revue-Netflix

A turnê tinha 18 músicos no palco e muito mais no backstage, e com mais de 3 horas de duração de cada show.  É difícil separar os relatos entre verdades e mentiras, mas esta é na realidade a genialidade por trás de Rolling Thunder Revue.

Sem compromissos com a verdade, o pseudo-documentário faz exatamente o contrário do que uma obra tradicional deste gênero sobre um artista faria. Ele leva a figura do cantor ainda mais longe do público, elevando o mistério do compositor para uma outra esfera. Há um senso de humor único por trás da construção, mas também um compromisso com os elementos que faz o compositor ser justamente quem ele é, misterioso, artístico, político e lendário, pelo menos uma de suas facetas.

Ao contrário de todos os depoimentos e histórias contadas em Rolling Thunder, as performances musicais de Dylan e sua banda formada por nomes como Joan Baez e Ramblin’ Jack Elliott, ao lado de uma história construída por Scorsese e Dylan que traz momentos mais que carismáticos com Allen Ginsberg, Joni Mitchell ou Ruben “Hurricane” Carter, são mais do que reais, e seriam o suficiente para deixar qualquer fã feliz.

“Quando alguém está usando uma máscara, ele vai te falar a verdade. Se não está, é bem improvável”, diz Dylan quando questionado o motivo da máscara que usava durante a Rolling Thunder Revue, turnê de 1975, o suposto foco do longa.

Another act of self-reshaping … Bob Dylan in Rolling Thunder Revue-Netflix

A turnê em si já é espetacular, um mergulho na contracultura norte-americana num momento profundamente traumático da vida do país, logo após  o escândalo de Watergate resultando na renúncia de Richard Nixon e a “expulsão humilhante” dos americanos do Vietnã, além das mortes e crimes sequenciais de Charles Manson e poucos anos depois do fim do sonho hippie, da dissolução dos Beatles, da morte de Hendrix e Joplin, além de se estar comemorando de forma bem morna o bicentenário do Estados Unidos e Etc. É um road movie por uma América entre sem saber como lidar e atordoada, que aquela trupe de malucos, que mais parecia um circo para mudar o sentimento de perda. No meio de tudo isso, todas as problemáticas de uma nação na beira do colapso e do lado da revolução que viria, as tensões raciais, as reivindicações ancestrais dos índios, o conflito de gerações, as contradições da cultura popular-industrial, as drogas, o sexo e, claro, o rock’n’roll, tudo vem a tona.

Cinema é ilusão. Mas cinema é verdade também. E dessas filmagens divididas entre ficção e realidade, surge uma leitura rica, maravilhosa e muito vívida, não só da cultura norte-americana pós-1960, mas como também as facetas do ser humano em rumo a uma aventura. Dessa leitura, surge o poeta Allen Ginsberg, que se tem uma relação curiosa com Dylan. Ginsberg parece querer transformar suas palavras dos poemas à música, enquanto Bob,  na sua forma de cantar, dá a impressão de querer colocar no tom, a parte melódica. Nas canções, por exemplo, ele grita as palavras, as torna mais duras, como se fosse um discurso à alma, torná-las menos melodiosas afim de transformar em um forte conjunto de palavras como um poema. E por causa disso, repete-se em vários momentos do filme, o verso de grande impacto de Ginsberg, “ Vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura”, em alusão de que devemos sempre nos puxarmos ao melhor e ao prazer.

É claro que Bob usa artifícios como deboche, humor e auto mitificação, que com certeza traz boas risadas ao telespectador. Por exemplo, quando surgem passagens como a de Patti Smith inventando uma história absurda sobre Super-homem ou Stone dizendo que seu suposto ídolo escrevera “Just like a woman” para ela na estrada — apesar de a música ter sido lançada dez anos antes — são hilárias.

Tem um momento muito emocionante na película, quando Bob canta em forma de protesto a música “Hurricane”, que é sobre um boxeador chamado Rubin “Hurriane” Carter que foi preso injustamente por assassinato.

Bob Dylan e Allen Ginsberg em uma das cenas do longa-Netflix

Com diz o próprio Dylan no filme: “Isso aconteceu há quarenta anos, não sei do que se tratava. Era sobre nada aquela turnê”. Mas esse nada mostra um dos maiores artistas populares do século XX em sua melhor forma. E isso é bastante para qualquer não documentário sobre música. Depois que surgem os créditos você realmente fica com uma sensação da frase dita no início…sobre criar coisas….assim como as palavras finais pelo poeta Ginsberg, tudo o que devemos fazer. Eu particularmente gostei, além dos deslizes aqui e ali, mas principalmente amei ver Bob Dylan performando e cantando é claro.

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