terça-feira, novembro 5, 2024
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Crítica | Divino Amor (2019)

Na minha visão, o audiovisual brasileiro possui uma grande barreira, na qual filmes fora dos padrões, como Aquarius, de Kleber Mendonça, o atual Marighella, de Wagner Moura, tentam sair do cardume de filmes nacionais, principalmente comédias, e chegar ao grande público. Depois de dirigir Boi Neon, drama bem-sucedido nos festivais e bem visto pelas críticas, Gabriel Mascaro retorna aos cinemas com sua distopia religiosa, Divino Amor, retratando de forma única e fora dos padrões, tendências religiosas, tecnológicas e individualistas.

Divino Amor se passa no ano de 2027, em um Brasil distópico e religioso, no qual o Carnaval foi substituído por enormes festas de “rave gospel” e os religiosos em crise podem passar em um drive-thru da oração. Joana (Dira Paes) trabalha como escrivã em um cartório e, profundamente religiosa e devota à ideia da fidelidade conjugal, usa seu ofício para tentar dificultar os divórcios. Enquanto espera por um sinal divino em reconhecimento aos seus esforços, Joana passa por uma crise no seu casamento, o que a aproxima ainda mais do seu Deus.

Visto que estamos vivendo em um governo conservador, o filme de Mascara não foge tanto da atualidade. O universo futurístico criado é consistente, e os temas são muito bem retratados e trabalhados, em um mundo individualista, baseado na família formada por um casal heteronormativo, que alcança a felicidade suprema com um acontecimento. Divino Amor sabe colocar em tela, de forma não maniqueísta e com respeito, o fanatismo religioso, a fé ilimitada, e o discurso cristão de que a recompensa de Deus irá chegar no momento certo, basta ter fé. Porém, e quando a fé é colocada em jogo, como no filme, e a igreja afasta o seu devoto.

Apesar da narração em off, com uma voz infantil, ser justificada narrativamente no final, ela se torna o ponto mal trabalhado no projeto. A voz infantil fica empacada em repetir os acontecimentos em tela, ou reforçar os diálogos religiosos dos protagonistas, os quais são expositivos demais em alguns momentos. Esse, talvez, seja a única coisa negativa em Divino Amor, além de algumas cenas que se estenderam demais, porém com um objetivo claro.

A direção de arte de Thales Junqueira, em conjunto com a fotografia poderosa de Diego García, constitui um universo apático, porém vistoso e atraente, em relação às cores neons usadas. O contraste das cores simples usadas nos santuários, ou no cartório em que Joana trabalha, com a logo neon do culto da “Divino Amor”, ou em detalhes de luzes fortes, criam cenas e enquadramentos emblemáticas e memoráveis. Outro ponto forte no mundo em Divino Amor, é a trilha sonora, que mescla os louvores religiosos, com musicas atuais, como as a eletrônica.

Com um bom elenco de atores, o desenvolvimento e a evolução dos protagonistas são um deleito de se ver na tela. Dira Paes está excelente, apresentando uma personagem que sofre diversas incertezas, colocando sua devoção em jogo, entretanto, não deixa de ser uma cristã obediente. A atriz se desarranja, tanto fisicamente, quanto psicologicamente, em um papel meticuloso, e que poderia se render a caricaturalização. Júlio Machado, de A Sombra do Pai, se estabelece no ramo, mostrando uma figura misteriosa, apática, porém, com convicções firmes. Thalita Carauta reforça seu poder para criar instantes cômicos, com poderosos e importantes diálogos.

Divino Amor se encerra com uma crença curiosa e sombria disfarçada em sonho. Mascaro nos mostra sua estética marcante, e seus enquadramentos excelentes, retratando temas importantes e atuais de forma singela e artística. Dira Paes e Júlio Machado apresentam personagens complexos, em um universo religioso e conservador. Divino Amor vai além da sala de cinema, trazendo crenças e pensamentos atuais em um futuro não tão distópico.

Patrick Gonçalves
Carioca, estudante de comunicação, apaixonado por séries e filmes, coleciono DVD's e ingressos de cinema.

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