Inquietante e verossímil, duas das palavras que definem o grande espetáculo que Abel Ferrara leva para o cinema. Abel possui tudo em mãos para fazer de Tommaso uma de suas grandes obras, um roteiro contemplativo e expositivo, um casal de protagonistas excelentes e uma técnica de filmagem diferente e angustiante, porém, em alguns momentos o diretor faz um uso desregrado do imaginário afastando o público do trajeto que a obra segue.
Ferrara não afirmou que Tommaso seria uma “autobiografia”, ou que teria qualquer conexão com sua realidade, apesar de colocar sua esposa (Cristina Chiriac) e filha (Anna Ferrar) no filme. Quando a câmera começa a perpassar pelo dia-a-dia do protagonista (Willem Dafoe), mostrando suas aflições e seus pensamentos, fica quase que impossível, não assimilar a trama do filme a vida de qualquer pessoa, devido ao realismo que a trama passa, através de um estilo pautado em transmitir a realidade tal e qual ela é, isto é, que procura “reproduzir” aquilo que na realidade acontece – um conceito bastante usado no final dos anos 60, chamado de Cinema-Verdade. Abel acaba criando uma espécie de confissão sobre uma conciliação com o passado.
Passando-se em Roma, na Itália, o filme irá acompanha a reconciliação de Tommaso (Dafoe) com seus antigos traumas. Com um novo projeto em andamento, o ator americano, casado com Nikki (Chiriac), uma mulher belíssima e muito mais jovem com quem tem uma filhinha de três anos, terá que enfrentar suas inseguranças presentes e seus vícios passados. Com isso, Tommaso vai às aulas de italiano, pratica ioga, ensina técnicas de representação, vai a reuniões dos AA, como se fossem uma terapia para aprisionar o reacendimento de um passado obscuro.
Abel Ferrara escreve um roteiro prazeroso, que através de diálogos, seja sobre dignidade, ou sobre os objetivos da vida, deixam o espectador pensativo, olhando para si próprio. Muitas das vezes o roteiro trabalha juntamente com diversos planos-sequências longos em que vemos as ações habituais de Tommaso, construindo uma estreita cumplicidade com o real. Porém, o enredo deixa muita coisa para o final e acaba desenvolvente lentamento seus segundo ato, tal situação pode ser digerida, se pensarmos em Tommaso como uma “bomba-relógio” que explode devido aos acontecimentos finais.
Dafoe é a espetacular alma do filme, o ator entrega um personagem estranhamente humano, que tenta ignorar a crítica situação que está passando com sua mulher mais nova, enquanto tenta aprisionar o crescimento de suas paranoias. O ator é responsável por cenas muito bem dirigidas, e mostra um trabalho de flexibilidade física – em demonstrações de meditação e yôga – incríveis, além de seu trabalho de dicção. Nikki (Cristina Chiriac) também ganha um destaque sútil, mas sua presença é mostrada mesmo nos atos finais do filme.
A parte técnica do filme é estonteante e dinâmica, usando câmera na mão, o filme tem pouca profundidade de campo, faz uso de uma iluminação natural e mantendo close-ups e planos americanos e médios, Ferrara consegue passar uma verossimilhança, que pode não se referir à uma verdade propriamente dita, mas sim a uma aproximação com a realidade. Envolvendo toda o mistério por trás do protagonista, e de seus pensamentos, o diretor compõe o filme com cenas aflitivas, tiradas diretamente do Youtube, que tiram o espectador do caminho que o filme segue. Outro ponto interessante é a trilha sonora, fundamentada por músicas instrumentas e orientas.
Tommaso pode parecer entediante e desconexo, até meados do seu segundo ato, porém, Abel Ferrara faz um ótimo trabalho criando um realismo descomprometido com o gosto do público em geral. Dafoe soube trazer profundida para o seu personagem, que deixando claro, não poderia ser interpretado por qualquer um. Usando uma filmagem não muito usual, o filme incomoda, e autêntico em mostra o desenvolvimento de sua trama de forma crua.
*Filme assistindo durante a cobertura do 21º Festival do Rio 2019
Nós usamos cookies pra melhorar a sua navegação!