Um dos objetivos do Festival do Rio de 2019 é trazer para o público em geral filmes como, Retrato de uma jovem em chamas e O verão de Adam, que não entram no grande circuito, e que possuem temas interessantes a serem debatidos, em questão aqui, o protagonismo LGBTQ. Com isso, um filme do grande Xavier Dolan, não poderia deixar de entrar no circuito do Festival. Matthias e Maxime cria uma experiência rica e singela ao ser posto em tela, o filme retrata com simplicidade e sem rótulos o amor entres dois jovens, e a convivência de uma família disfuncional. Com técnica e um roteiro afiado, o diretor mais uma vez impressiona, porém não sai de sua zona de conforto ao retratar o relacionamento abusivo entre mão e filho.
Precisando filmar um curta-metragem para a faculdade, uma jovem chama seus dois amigos, Matthias (Gabriel d’Almeida Freitas) e Maxime (Xavier Dolan), para criarem uma cena de plano-único, em que os dois estariam se beijando. Já que a dupla perdeu uma aposta, eles precisam aceitar fazer o projeto, porém, os dois amigos heterossexuais não imaginavam que seriam consumidos por um sentimento de amor e tesão após o beijo. Como fundo das descobertas afetivas entre os dois amigos, temos a família disfuncional de Maxime, que pretende ir tentar a vida na Austrália, deixando para trás sua mãe abusiva e seu irmão, e o relacionamento de Matthias com sua mulher, sendo totalmente desmantelado.
Aqui, o público não pode esperar um filme cheio de clímax e reviravoltas, Matthias e Maxime é um filme introspectivo, que se fortalece nos diálogos e nas atuações. Apesar de ter uma trama intensa, o desenvolvimento do filme é prejudicado pela falta de ação, podendo ser adicionada, mesmo que de forma intrínseca. Em suas quase duas horas de filme, a trama parece ter dificuldade para mostrar o desenvolvimento de seus personagens e suas ações, apesar de mostrar com clareza o intenso sentimento que está dentro dos dois amigos, como na cena em que um dos meninos está nadando até não aguentar mais, buscando se livrar de um sentimento.
Tirando a estagnação que permeia o filme, o roteiro é o ponto forte da obra de Xavier Dolan, que se mantém na sua zona de conforto, visto que o diretor está acostumado a trabalhar temas como o abuso entre mão e filho, basta ver seus filmes anteriores, em especial Eu Matei Minha Mãe (2009) e Mommy (2014). Em Matthias e Maxime, Dolan escreve um melodrama mais sútil do que seus antigos trabalhos, porém, que não resulta em mais do que uma experiência interessante e formosa para o público.
Xavier Dolan e Gabriel d’Almeida Freitas conseguem transparecer facilmente os sentimentos de seus personagens em tela, os dois possuem expressões intensas e são um destaque dentro da obra. Enquanto, Gabriel mostra a comovente mistura de dúvida que seu personagem está sentido em relação ao seu amigo, Xavier retrata um jovem que parece lidar melhor com seus sentimentos, mas que precisa dar conta de sua demanda familiar. Assim, Dolan soube usar de forma positiva os sentimentos dos personagens e a boa atuação de seus atores, criando planos em que um close-up no rosto do personagem e uma trilha sonora intensa de fundo, se integram perfeitamente.
Apesar de Dolan ser conhecido pela sua câmera pesada e pelos seus truques de pós-produção – trilha sonora em excesso, câmeras lentas, cores saturadas e outros penduricalhos -, em Matthias e Maxime o diretor deixa esse excesso de lado. Aqui, o diretor prioriza muito mais a ferramenta humana, deixando seus personagens sozinhos em planos sequências, apenas com um som instrumental intenso. Porém, Dolan não abandona suas raízes, apesar de deixar o primeiro beijo subentendido, no clímax, quando os protagonistas se beijam, a cena é quase catártica, somando um som de terremoto, o barulho da chuva lá fora, a transparência da cortina, o reflexo da janela, perspectivas distintas e um zoom out da câmera.
Por fim, Matthias e Maxime mostra sua importância de estar na programação do Festival, apesar de desenvolver seus efeitos e causas de modo contido e acabar com um fim que não me agradou, a trama se mostra interessante, transmitindo uma experiência que vale a pena ser vivenciada. Os atores dão um destaque perfeito para as cenas, mostrando o limite entre amizade e amor. E, Xavier Dolan, mostra mais uma vez seu potencial técnico colocado catarticamente em Matthias e Maxime.
*Filme assistindo durante a cobertura do 21º Festival do Rio 2019