Inspirado no best-seller de Peter Carey, A Verdadeira História de Ned Kelly coloca em dúvida toda a mitologia criada ao redor do mito sobre a vida de Ned Kelly.
No filme, acompanhamos a juventude de Ned e observamos sua vida até o final, percebendo, sob a ótica do protagonista, que nem tudo é o que parece, e que certo e errado depende do lado que se observa algumas histórias. As motivações de Kelly são reveladas e as tragédias em torno de sua gangue são mostradas de forma intensa e poderosa, a começar pelo amor de uma mãe por seu filho que faz tudo por ele, até o que é visto como errado.
Edward “Ned” Kelly foi um “fora-da-lei” australiano que ficou mistificado por ter desafiado as autoridades da Austrália colonial. A figura do Fora-da-lei faz parte do imaginário do público do cinema através de filmes marcantes. Desde os mafiosos do filme o Irlandez, passando por Bonnie e Clyde ao brasileiro Zé Pequeno, de “Cidade de Deus”, exemplos não faltam deste tipo de personagens dentro na Sétima Arte, na Austrália, o mais famoso é Ned Kelly.
Dividindo a trama em atos, “A Verdadeira História de Ned Kelly” troca o tradicional “Baseado em fatos reais” por “Nada do que está prestes a ver é verdadeiro”. Mesmo assim, o diretor não deixa de lado alguns fatos que envolvem esse mito popular.
Na Austrália do século XIX, a polícia da colônia de Victoria já sabia quem procurar quando precisava de um culpado para qualquer delito: irlandeses ou descendentes, pobres e sem instrução, nascidos na zona rural. Se a suspeita não se confirmava, o sangue quente dos buliçosos irlandeses, inimigos figadais dos ingleses, que mandavam no governo, se encarregava de torná-la realidade.
Edward “Ned” Kelly era fruto desse meio. Nasceu em Beveridge, um covil que abrigava ladrões como seu pai – degredado da Irlanda por roubar dois porcos -, avô e tios. Acabou por se tornar o maior deles. A Austrália, surgida como uma gigantesca colônia penal, até hoje louva a saga de seu mais famoso fora-da-lei. Ned Kelly virou uma lenda que deu origem a pelo menos seis filmes – o mais famoso, de 1970, tinha o roqueiro Mick Jagger no papel principal – e dezenas de livros, como o recente e premiado A História do Bando de Ned Kelly, de Peter Carey, e Ned Kelly de 2003, filme com o ator Heath Ledger no papel principal.
Pensando na intenções mostradas, o filme não nos propõe a verdade, mas sim um mergulho mais profundo dentro dessa mitologia, explorando as intenções culturais e de fato se entregando a ficção. O que não significa que Kurzel abre mão de debater a mítica construída ao redor de um personagem histórico e, de algum modo, representar a origem de sua natureza violenta.
Partindo da perspectiva do protagonista e contando com uma narração em off, acompanhamos parte da infância de Ned (interpretado por Orlando Schwerdt) e sua vida adulta (MacKay) até seu triste fim. O diretor, junto de um belo design de produção aliada a fotografia de Ari Wegner (“Lady Macbeth”), cria uma atmosfera fantasiosa que passeia pelas memórias do assaltante e destrincha sua relação com a mãe Ellen, interpretada com maestria por Essie Davis (“Babadook”).
O elo de Ned Kelly com a mãe e os traumas adquiridos em sua relação com o pai fortalece uma espécie de laço edipiano entre Ellen e o filho. Em todos os momentos decisivos da vida do rapaz, a mãe tem forte influência, sendo ela a responsável por criar uma idealização mítica de que ele possui um destino a cumprir.
Ao crescer em meio à miséria, o anti-herói se dá conta de que deveria lutar pelos seus e isso fica mais evidente em um momento em que vemos um policial apontando uma arma para seu filho, um bebê de colo. Ned se coloca em constante reflexões sobre sua vivência, Kelly mostra sua força quando se entrega à violência seja ao lutar boxe ou executar friamente oficiais da lei. Mas também não deixa de ser intenso quando ama.
O diretor com o roteiro escrito por Shaun Grant também traz complexidade para os personagens que cercam ou que passam pela vida de Ned Kelly. Interpretados por gente de peso como Russel Crowe (Harry Power) e Charlie Hunnam (Sgt. O’Neill), eles funcionam como espécies de figuras paternas e modelos masculinos do assaltante. Pessoas com momentos afetuosos, mas, capazes de cometer atos condenáveis logo em seguida.
Com humanidade e intensidade nos personagens, “A Verdadeira História de Ned Kelly” poderia ter explorado melhor as possibilidades em uma história com mais intenção de compreensão que beleza, porém não decepciona ao ponto de ser uma obra esquecível. Esmiuçando o seu protagonista de maneira confusa, o western acaba entregando belas imagens, pelas interpretações, mas uma história um pouco confusa na entrega.
Texto: Stefany Gomes
Conclusão
“A Verdadeira História de Ned Kelly” poderia ter explorado melhor as possibilidades em uma história com mais intenção de compreensão que beleza, porém não decepciona ao ponto de ser uma obra esquecível. Esmiuçando o seu protagonista de maneira confusa, o western acaba entregando belas imagens, pelas interpretações, mas uma história um pouco confusa na entrega.
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