Nos anos 60 surgiu o primeiro grupo da Ku Klux Klan (KKK), que defendiam correntes reacionárias e extremistas, tais como a supremacia branca, o nacionalismo branco e o antissemitismo, ao longo dos anos foram tomando força também a homofobia, a anti-imigração e a Antimiscigenação. Com o tempo, as pessoas negras foram ganhando voz, através de protestos e revoluções. Entretanto, acontecimento atuais mostram, que pessoas seguem as correntes do grupo racista, mantendo o legado da KKK vivo. E com um brilhante trabalho, o diretor Spike Lee, faz um filme sobre o passado, porém dialogando com a atualidade devido aos casos de racismo e ao renascimento do grupo KKK.
Baseado no livro autobiográfico Black Klansman, de Ron Stallworth, o filme se passa nos Anos 70, época em que a segregação racial e o grupo KKK eram presentes nos estados do Sul do EUA, e conta a história de Ron Stallworth (John David Washington), um aspirante policial negro que consegue um cargo na polícia de Colorado, e se torna um detetive infiltrado em uma reunião do grupo dos Panteras Negras, grupo revolucionário que surgiu na década de 1960 para lutar pelos direitos da população negra, mas o detetive logo vê que a ameaça é outra. Ron Stallworth decide então se infiltrar no chamado grupo racista Ku Klux Klan, porem a sua cor o impede de estar presente nos encontros, o detetive Philip “Flip” Zimmerman (Adam Driver) é encarregado então de fazer o papel de Ron quando precisava estar presente fisicamente, enquanto o detetive Stallworth faz a comunicação com o grupo pelo telefone. Sim, a premissa do filme pode parecer confusa e contraditória, mas o diretor faz uma excelente obra.
A narrativa do filme é excelente, apesar de ter mais de duas horas, os acontecimentos conseguem prender o telespectador, fazendo com que o filme não fique cansativo e maçante. O enredo sabe a hora de introduzir as piadas ácidas e inteligentes, apesar de ter um difícil tema, o filme está cheio de cenas cômicas, que arrancam um riso nervoso do público, juntamente com as cenas de suspenses. Spike Lee deixa sua marca no filme, com os repletos discursos sobre o racismo, alguns com mais de cinco minutos, esse detalhe talvez seja o único ponto negativo do filme. Infiltrado na Klan sabe a sua importância social, o equilíbrio entre o entretenimento e o ativismo, são capazes de fazer o espectador rir ao mesmo tempo que o deixa reflexivo e desconfortável.
Como um belo filme de época, Infiltrado na Klan tem uma direção de arte impecável, a maquiagem traz os anos 60 de forma excepcional, destaque para os cabelos afros (como se chamavam na época) e para as roupas. Com tons mais escuros durante as cenas, e com uma paleta de cores escuras, o diretor usa técnicas de filmagem, como por exemplo, a divisão de telas, e oferece um grande mergulho na época, aproveitando a era dos Blaxploitation, além de fazer ótimas referências a Shaft, Super Fly, Coffy: Em Busca da Vingança e Cleópatra Jones.
Fazendo uso de acontecimentos reais, o diretor faz uma edição paralela magnífica, contrapondo um discurso do grupo Pantera Negra, em que Jerome Turner (Harry Belafonte) conta a atrocidade que presenciou quando Jesse Washington, um rapaz negro de apenas 16 anos, acusado de estuprar sua patroa branca, foi linchado pelas pessoas, com a reunião do KKK, em que os membros assistem o filme “O Nascimento de Uma Nação”, obra que inspirou o surgimento do grupo racistas. Assim como tudo em “Infiltrado na Klan”, as cenas são ainda mais chocante porque são verdadeiras.
Essa jornada funciona tão bem, com a ajuda da dupla de protagonistas que entregam um ótimo trabalho. John David Washington, filho de Denzel, está muito bem como um personagem que quer crescer na carreira, mas que não deixa de lado sua origem. Já Adam Driver é um policial que tem dúvidas sobre sua origem, e colocado em uma situação que é um contraste com a sua realidade, pois o detetive é um judeu, o personagem se vê obrigado a confrontar a sua origem. Apesar da dupla aproveitar os diversos momentos cômicos da série, os protagonistas não deixam de mostrar a tensão em estar de frente a pessoas que os abominam.
Laura Harrier, é Patrice Dumas, uma militante do ativismo negro, que não consegue deixar seu protesto e sua origem de lado. Ron ao conhecer Patrice na primeira reunião infiltrado no grupo Pantera Negra, acaba criando um relacionamento afetivo pela moça, que faz Ron viver o famoso dilema de espião secreto que se apaixona e tem que escolher entre a sua paixão e o trabalho. Harrier também entrega uma ótima atuação, porém acho que poderia ser uma personagem um pouco mais ativa e com mais atitudes. O papel do líder da Ku Klux Klan ficou com o ator Topher Grace, que interpreta um líder perspicaz e calmo, com pretensão na política. Aqui o diretor não demoniza o personagem, o apresenta como uma pessoa preconceituosa normal, que conquista o grupo pela sua fala nacionalista e inteligente.
Cuidado! Possível spoiler abaixo.
Spike Lee corta para 2017. Mais didático, impossível. O diretor traz em tona a realidade, para não ficar nenhuma dúvida da crítica que o filme ta fazendo, usando cenas do conflito de Charlottesville em 2017 – onde neo-nazista tomaram as ruas para protestar contra negros, judeus e imigrantes. Com um corte de cenas rápidas, Spike Lee expõe um discurso do presidente Trump dizendo que “nem todas as pessoas do protesto eram ruins”, demonstrando como até as pequenas falas dão espaço para os discursos de ódio nas ruas. É colocado em cena também, um discurso de David Duke, ex-líder da KKK, mostrando como é possível a chegada de pessoas assim na política. Tal assunto também é abordado no filme quando o sargento Trapp sugere que Duke está de olho na política através de uma estratégia baseada em polêmicas. Ron ri, porque acredita que os sujeitos, apesar de serem potencialmente perigosos, são ridículos.
– A América nunca elegeria alguém como David Duke como presidente.
– Por que você não acorda?!
Spike Lee consegue mudar o gênero do filme no final, e com essa mudança traz um soco no estômago de quem está assistindo. Com cenas cruéis da manifestação em Charlottesville o diretor faz o telespectador refletir sobre o mundo atual, a política e os discursos de ódio que estão surgindo através de altos escalões dos governos.
(Fim do Spoiler)
Infiltrado na Klan recebeu recentemente seis indicações ao Oscar 2019, e podemos dizer que é um dos excelentes filmes do Spike Lee. Passado e presente se conectam de forma desconcertante no filme, que consegue equilibrar entre o entretenimento e a crítica, mostrando que o passado pode se tornar realidade. Apesar de ser um filme de drama e comédia, a obra apresenta cenas de suspense, com uma narrativa ágil e um roteiro inteligente, que apesar das piadas não perde o seu foco de crítica. As atuações estão maravilhosas, quero deixar aqui a minha indignação pelo John David Washington, não ter sido indicado ao Oscar de melhor ator. Infiltrado na Klan tem Veracidade no seu discurso e é um relato histórico, mas que surge como um triste retrato da realidade.
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